Patógenos por trás de diferentes doenças respiratórias se espalham pelo país e podem se aproveitar das mudanças de temperatura. Saiba como evitar
Eles circulam entre nós o tempo todo. Podemos dizer que são companhias inseparáveis (e indesejáveis) ao longo dos séculos. Não podemos vê-los, mas sentimos os impactos do contato — ou melhor, contágio — da mais tenra idade aos últimos anos de vida.
E não é preciso viver uma pandemia para encarar os sintomas e os estragos provocados pelos vírus respiratórios, essas entidades microscópicas que contribuíram para moldar os rumos da humanidade. A preocupação está até fresca na cabeça: completamos há pouco quatro anos do surgimento da Covid-19.
Fora o coronavírus — que não sumiu do mapa —, estão à solta outros patógenos que causam espirros, tosse e mal-estar, caso do influenza, o agente da gripe, do vírus sincicial respiratório (VSR), principal responsável pela bronquiolite, e do rinovírus, ligado a resfriados.
A chegada do outono marca também o período de maior incidência dessas infecções. Isso porque as condições climáticas e comportamentais das estações com temperaturas mais baixas tendem a contribuir para a circulação desses micróbios pelo ar.
Existem, é claro, variações regionais e até de acordo com os elementos virais em alta, mas o fato é que os meses de outono e inverno demarcam um disparo no número de pessoas doentes e uma sobrecarga nos sistemas de saúde.
No Brasil, um dos mais precisos monitoramentos de vírus respiratórios é conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ali, um grupo de pesquisa desenvolve o boletim InfoGripe, documento semanal que apresenta as tendências no país com base em indicadores da síndrome respiratória aguda grave (SRAG), quadro que pode ser causado por vírus como os da gripe ou Covid e associado à hospitalização na maioria das vezes.
As mais recentes publicações descrevem um aumento nos casos em todas as regiões do país e faixas etárias, especialmente entre crianças e jovens. E quem está provocando essa revoada viral? O levantamento mostra diferenças pontuais em relação ao micro-organismo. No Centro-Sul, prevalece o coronavírus; no Nordeste e no Norte, destaca-se o influenza. No quesito idade, crianças, pré-adolescentes e idosos são os mais afetados com a internação pela Covid-19 atualmente.
Ter essas informações à mão faz diferença. Não só para saber como proceder com os pacientes, mas também para estabelecer medidas de prevenção, entre elas a vacinação. A palavra-chave é vigilância.
Diversidade viral
Monitorar os vírus que estão no ar não mata apenas a curiosidade dos cientistas. É tarefa de implicações práticas e vitais. Um dos motivos é que os patógenos podem sofrer mutações, escapando mais facilmente da nossa imunidade e das armas da medicina. Conhecemos essa história com o influenza — e, mais recentemente, com o coronavírus.
De tempos em tempos, o vírus da gripe surpreende o mundo com uma nova versão capaz de nos pegar desprevenidos. Eventualmente, ela pode ser mais potente e letal. Foi assim com o episódio conhecido como gripe espanhola, em 1918 — uma tragédia responsável por entre 20 milhões e 40 milhões de mortes. Há 15 anos, o planeta foi abalado por outra pandemia disparada pelo influenza H1N1.
O vírus da gripe é um tormento porque tem alta capacidade de se transformar geneticamente, podendo inclusive ocorrer rearranjos entre linhagens diferentes, originárias de espécies distintas de hospedeiros. Foi o que aconteceu com a gripe suína de 2009: dois patógenos, um oriundo de aves, infectaram porcos ao mesmo tempo e, a partir de mutações, uma cepa despontou e se alastrou entre humanos.
“Os vírus têm um mecanismo de replicação muito simples. As cópias do próprio genoma não passam por nenhum processo de revisão, fazendo com que, aleatoriamente, existam alterações introduzidas no material genético entre uma geração e outra”, detalha o virologista Fernando Motta, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) no Rio de Janeiro.
A taxa expressiva de mutações virais também é o motivo pelo qual o imunizante contra a gripe precisa ser reformulado a cada ano. “A composição da vacina é atualizada com as cepas mais circulantes. Além disso, a proteção de uma única dose não é para toda a vida”, justifica a infectologista Emy Gouveia, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
“A vacina é composta de vírus inativados, que não podem causar doença. Às vezes, as pessoas confundem os sinais e sintomas relacionados a eventos adversos, que são infinitamente mais leves em comparação a adquirir a infecção”, esclarece a médica.
O coronavírus continua por aí
Dados do Ministério da Saúde apontam que, do início do ano até meados de março, foram notificados quase 519 mil casos e 2,6 mil mortes pela Covid-19. Nada que se compare aos piores dias vividos no auge da crise, que chegou a registrar mais de 4 mil óbitos em apenas 24 horas. Ainda assim, os índices seguem expressivos.
“A Covid-19 está sendo mais negligenciada do que deveria. Mesmo com a redução dos casos graves em decorrência da vacinação, o coronavírus ainda representa um risco significativo para a saúde, especialmente para pessoas com comorbidades, imunossuprimidas, idosos e indivíduos que não têm o esquema de imunização completo”, afirma o pneumologista Frederico Arrabal Fernandes, diretor da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT).
Além de danos diretos ao sistema respiratório, o coronavírus pode provocar uma ampla gama de avarias e sequelas pelo corpo, incluindo alterações neurológicas, perda de olfato e paladar, fadiga e dores musculares.
Uma pesquisa da Fiocruz, com a participação de 1 230 brasileiros, revelou que quase 60% desenvolveram Covid longa. Ao todo, 720 voluntários apresentaram sintomas por três meses ou mais, com destaque para cansaço, ansiedade, perda de memória e queda de cabelo. Os efeitos duradouros foram mais frequentes entre os não vacinados.
Menos conhecido do que a gripe e a Covid pelo público geral, o vírus sincicial respiratório, ou VSR, certamente está no radar de pais e mães de crianças pequenas. A preocupação dos cuidadores tem: o micróbio é o principal causador de infecções respiratórias agudas em crianças de até dois anos.
Estima-se que esteja por trás de 75% das bronquiolites e de 40% das pneumonias na infância — complicações que podem exigir atendimento no hospital.
O VSR também está por aí durante o ano todo, mas sua incidência decola nos meses mais frios. Embora possa atingir qualquer pessoa, ele costuma ser mais nocivo para aquelas que estão nos extremos de idade, como bebês e idosos.
“Quando esse vírus entra na árvore respiratória de uma criança, pode causar uma reação inflamatória importante, a ponto de fazer com que haja uma descamação das células ali. Elas se fundem, formando o que chamamos de sincício, uma massa capaz de prejudicar a respiração”, descreve a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas, em São Paulo. Vem daí o nome de batismo do VSR.
A proteção logo nos primeiros meses de vida reduz o risco de complicações, principalmente no caso de prematuros.
“A maior parte da transferência de anticorpos da mãe para o bebê ocorre no fim da gravidez. Portanto, aqueles que não têm essa fase final da gestação acabam recebendo menos proteção. Esses bebês nascem com o sistema imunológico mais imaturo, o que significa que combater infecções é um desafio ainda maior em comparação com um nascido de nove meses”, explica o pediatra Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
O quarto elemento: rinovírus
Já estaria de bom tamanho com essa trupe de vírus respiratórios. Mas tem mais por aí.
Fechando o grupo dos patógenos com grande circulação atualmente aparecem os rinovírus. Eles estão por trás do resfriado comum, provocando sintomas como tosse, espirros, congestão e corrimento nasal, dores no corpo, de cabeça e garganta… A boa notícia é que os quadros em geral são mais leves e o tratamento consiste basicamente em repouso e hidratação.
Não é possível prevenir o rinovírus com a aplicação de vacinas nem há um antiviral específico contra ele — para o coronavírus e o influenza, existem remédios a serem usados numa janela de oportunidade. “A transmissão se dá por meio de gotículas, então as medidas de prevenção são as mesmas: higiene das mãos, uso de máscara e regras de etiqueta respiratória”, resume a médica do Einstein.
Por falar nisso, se os vírus respiratórios estão no ar, a prevenção está ao alcance de nossas mãos. Nesse contexto, o cuidado exercido por cada indivíduo também se reflete como uma camada de proteção ao outro.
Trata-se de um exercício consciente de cidadania. Ele passa por cancelar a ida ao cinema para ver o filme tão esperado, deixar de visitar um recém-nascido e usar proteção facial no ônibus ou no metrô. Convenhamos, atitudes assim já deviam estar incorporadas ao nosso cotidiano. Afinal, os vírus continuarão circulando… O que cabe a nós é não facilitar a vida deles. Pelo nosso próprio bem.
Fonte: Saúde Abril